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February 22, 2023 6 mins
Por que o escritor Itamar Vieira Junior faz tanto sucesso?
Escrito por Rogerio Galindo e publicado pelo Plural

Alguma coisa aconteceu com “Torto arado”. Não faz muito tempo, Itamar Vieira Junior era um desconhecido na literatura nacional. Tinha lançado dois livros de contos e só. Em 2018, seu primeiro romance venceu o prêmio LeYa em Portugal e, em seguida, foi comprado pela Todavia para lançamento no Brasil. Em 2019, quando o livro foi publicado ainda não estava claro o barulho que ia fazer. Mas fez.

Do final de 2020 para cá, livro e autor entraram numa maré impressionante. “Torto arado” venceu o Jabuti de melhor romance e o Oceanos, um dos mais importantes prêmios para literatura de língua portuguesa. Itamar Vieira Junior foi convidado para ser colunista do jornal “Folha de S.Paulo” e para uma entrevista no programa “Roda Viva”. Numa matéria do UOL, ele foi chamado de “maior autor brasileiro”.

Uau. Fazia tempo que nada do gênero acontecia no Brasil. Portanto, é justo analisar a obra de Itamar Vieira Junior para tentar entender, afinal de contas, o que é que está acontecendo. O que explica o sucesso de “Torto arado” e por que, de repente, ele aparece na mesinha de cabeceira de Lula ao mesmo tempo que é eleito o “hit do verão” pelo site “Glamurama”?

O centro da trama de “Torto arado” tem duas irmãs pobres e negras na Chapada Diamantina, interior da Bahia. Crianças, elas encontram um facão com uma aura meio sagrada na mala da avó – e num acidente terrível, uma das meninas decepa a própria língua, ficando impossibilitada de falar pelo resto da vida.

Durante dois terços do livro, são elas as narradoras da história, que acontece numa fazenda em que os trabalhadores não têm direito a quase nada. Eles trabalham não em troca de dinheiro, mas apenas para poder morar ali. Eles não podem construir casas de alvenaria, para que não sejam duradouras. Há limites para a roça que podem plantar e, evidentemente, o patrão (que mal aparece por lá, governando por meio de um capataz) pode tudo, quase como um rei absolutista.

Embora as meninas Bibiana e Belonísia sejam o centro da história, a intenção claramente é de um panorama da vida agrária da região. Itamar Vieira Junior é funcionário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e parece conhecer bem as fazendas do interior profundo. Mais do que isso, Vieira Junior é defensor ferrenho da reforma agrária, e vê na história uma oportunidade de mostrar os contrastes que o incomodam entre a pobreza e a riqueza no Brasil rural, entre os que mandam e os que sobrevivem.

Contam-se histórias de líderes de religiões afro (o que se pratica na região é o jarê, uma espécie de variante do candomblé); de mulheres vítimas de maridos violentos, sem ter para onde correr; de gente que mal tem o que comer; de mulheres fortes sobrevivendo à seca, ao infortúnio e a desmandos de todo tipo; e dos jovens que mal chegam à vida adulta e já estão casados, com filhos e com seu destino escrito.

Com o tempo o leitor percebe, porém, que Itamar Vieira Junior prepara uma virada. Que um personagem com ideias e leituras inusitadas começa a politizar os trabalhadores e a levá-los para um caminho de luta contra a sujeição. Embora não seja o caso de contar mais do que isso, fica evidente que “Torto arado” não é apenas a história da pobreza centenária, mas também o relato de uma tentativa de subverter essa situação – com traços de martírio em nome do desenvolvimento social.

Talvez não seja tão difícil assim entender por que “Torto arado” fez tanto sucesso. O livro foi lançado em um momento de extrema desilusão da esquerda brasileira – um momento em que avanços sociais foram perdidos e em que os piores temores de quem saiu de uma ditadura nem tanto tempo atrás voltaram a assombrar os leitores mais afinados com a pauta progressista.

“Torto arado” é um romance, evidente, mas tem ares de manifesto. Nenhuma das escolhas do autor parece ter sido feita à toa.

O livro é narrado por mulheres e tem mulheres como personagens mais fortes (num momento em que o feminismo e a luta contra a sujeição da mulher são assuntos mais caros aos leitores progressistas.

O livro se passa no Brasil rural, tentando discutir as raízes históricas de nossa desigualdade e recuperar a ideia do sertanejo forte, virtuoso, que se opõe em caráter ao patrão, o arquétipo do oligarca visto como mal maior da nação na narrativa de esquerda.

A trama recupera práticas que têm sido objeto de estudo e resgate nas universidades e na comunidade negra, como as religiões de origem africana (a terceira parte, inclusive, é narrada por uma entidade sobrenatural do jarê).

Etnicamente, o livro fala de negros que sentiam vergonha de se ver como negros mas que, com o incentivo de um personagem mais instruído, passam a se enxergar como quilombolas, cidadãos de direitos históricos que devem ser recup
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